Flixborough 1974: As Lições Atemporais para a Segurança de Processo na Engenharia
Palavras-chave: Segurança de Processo, Flixborough, Gerenciamento de Mudanças, Análise de Risco, Explosões de Nuvem de Vapor, Cultura de Segurança, Engenharia Química, Projetos de Segurança.
Introdução
Para engenheiros de todas as especialidades, a segurança de processo é um pilar fundamental que transcende as fronteiras disciplinares. Não se trata apenas de cumprir normas, mas de proteger vidas, o meio ambiente e o patrimônio. Em nosso campo, aprender com o passado é crucial para construir um futuro mais seguro. Um dos marcos mais importantes e dolorosos na história da segurança de processo é o desastre de Flixborough, ocorrido em 1º de junho de 1974 no Reino Unido. Este evento catastrófico não apenas redesenhou as práticas de segurança em todo o mundo, mas também nos legou lições vitais que continuam a ressoar em cada projeto e operação que realizamos hoje.
O Desastre de Flixborough e Suas Causas Raiz
Nos anos 70, a indústria química vivenciava um crescimento exponencial, impulsionado pela demanda por novos materiais como os poliamidas (nylons). A planta Nypro, em Flixborough, produzia caprolactama, um intermediário essencial para a síntese de nylons. Em 1972, o processo foi modificado para incluir a oxidação de ciclohexano, um hidrocarboneto altamente inflamável e tóxico. O foco principal das empresas era desenvolver processos químicos avançados, mas a escala dos riscos estava crescendo mais rapidamente do que as medidas para controlá-los. Naquela época, a legislação do Reino Unido ainda era baseada em modelos industriais do início do século XX.
A tragédia que se abateu sobre Flixborough resultou na morte de 28 trabalhadores e deixou 36 feridos. A causa imediata foi uma falha na tubulação temporária que conectava os reatores 4 e 6. Esta tubulação foi instalada para contornar o reator 5, que havia desenvolvido uma rachadura e sido removido para reparo. A falha mais crítica? Nenhuma análise de engenharia, desenhos ou cálculos foram realizados para essa modificação. A aprovação veio de um engenheiro mecânico interino que não possuía a qualificação ou experiência necessárias para tal posição. O colapso desse tubo temporário levou à liberação de 10 a 15 toneladas de ciclohexano fervente, que formou uma vasta nuvem de vapor que, ao ser ignitada, causou uma explosão de força estimada entre 15 e 280 toneladas de TNT.
No entanto, o problema ia muito além da falha do tubo. As causas subjacentes foram profundas e sistêmicas:
- Cultura de Segurança Deficiente: Havia uma cultura de segurança precária em Flixborough, que era reflexo da indústria química em geral. Oficiais de segurança ocupavam posições juniores e a comunicação com a gerência sênior era falha, impedindo uma avaliação de risco completa da modificação.
- Falta de Expertise: Os engenheiros seniores eram predominantemente da engenharia química, sem experiência adequada em projeto mecânico, o que contribuiu para a análise de segurança inadequada da modificação temporária.
- Desconhecimento de Riscos: Na época, havia pouquíssima informação disponível sobre explosões de nuvem de vapor, o que significava que a extensão de um desastre dessa natureza era desconhecida.
O Legado de Flixborough: A Revolução na Segurança de Processo
Flixborough foi um divisor de águas, desencadeando mudanças culturais e legislativas significativas na segurança de processo.
- Gerenciamento de Mudanças (MOC): Uma das lições mais reconhecidas e implementadas foi a necessidade crítica de um Gerenciamento de Mudanças robusto. O desastre deixou claro que qualquer modificação, por mais temporária que seja, deve ser submetida aos mesmos protocolos, padrões e testes usados no projeto inicial da planta. Incidentes subsequentes, como Piper Alpha, reforçaram essa necessidade.
- Legislação Reforçada: Quinze anos após o desastre, o “Pressure Systems and Transportable Gas Containers Regulations 1989” (SI 1989/2169) foi influenciado por Flixborough, definindo claramente a jurisdição sobre sistemas de pressão e os procedimentos necessários após modificações ou substituições.
- Pesquisa e Desenvolvimento: O acidente impulsionou a pesquisa e o desenvolvimento na compreensão de explosões de nuvem de vapor. Isso permitiu que engenheiros, desde então, compreendam e prevejam o impacto de cenários de liberação de gás inflamável, permitindo a implementação de mitigações adequadas.
- Filosofia de Projeto Intrínseca: Trevor Kletz, um renomado consultor de segurança, popularizou a ideia de projetar para minimizar riscos (segurança intrínseca) em vez de apenas controlá-los.
- Ferramentas de Gerenciamento de Segurança: Ferramentas como o estudo HAZOP (Hazard and Operability), que estavam em estágios iniciais de desenvolvimento em 1974, ganharam mais uso e melhoraram drasticamente após o incidente, à medida que gerentes de outras empresas questionavam sua própria vulnerabilidade.
- Cultura de Segurança e Treinamento: Flixborough gerou uma revolução cultural na forma como a segurança era vista. Análises de perigo e risco tornaram-se considerações centrais. Engenheiros, operadores e contratados não deveriam mais trabalhar sem conhecer os perigos potenciais em seu local de trabalho. O incentivo à multidisciplinaridade na formação de engenheiros também foi um resultado, devido aos avanços técnicos que tornaram os processos cada vez mais interdisciplinares. A segurança de processo agora é um requisito para a acreditação de cursos de engenharia química.
- Localização de Edifícios Ocupados: Uma lição dolorosa foi a importância do projeto e localização de edifícios administrativos e salas de controle dentro das áreas industriais. A alta perda de vidas em Flixborough tornou clara a necessidade dessa precaução. Guias foram publicados e são atualizados regularmente para orientar o projeto e posicionamento de edifícios em torno de processos químicos.
Conclusão
O desastre de Flixborough, juntamente com outros grandes incidentes dos anos 70, impulsionou uma mudança rápida e profunda na segurança de processo, cujo legado influenciou mudanças legislativas não apenas no Reino Unido, mas em todo o mundo desenvolvido. As regulamentações implementadas desde então foram extremamente eficazes, exigindo mudanças significativas na gestão e nos protocolos de segurança.
A lição mais importante de Flixborough é a necessidade contínua de que os procedimentos e protocolos de segurança acompanhem o desenvolvimento de novos equipamentos e processos. É insustentável desenvolver novas tecnologias sem os avanços correspondentes em segurança. É vital que, como engenheiros, nos lembremos das falhas do passado para aplicar uma abordagem rigorosa à segurança em qualquer processo novo ou modificado.
Flixborough nos lembra que a vigilância, a comunicação eficaz, uma cultura de segurança robusta e a aplicação rigorosa do Gerenciamento de Mudanças não são apenas “boas práticas”, mas sim requisitos absolutos para a operação segura de qualquer instalação industrial. Para nós, engenheiros, é uma responsabilidade contínua aplicar essas lições em nosso dia a dia, garantindo que a segurança seja sempre projetada, não apenas adicionada.
Referências
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