Revalidação HAZOP: Foco em Acidentes Maiores e o Poder do Delta HAZOP para Engenheiros de Segurança

Revalidação HAZOP: Foco em Acidentes Maiores e o Poder do Delta HAZOP para Engenheiros de Segurança

A segurança de processo é um pilar inegociável na indústria, especialmente para empresas que lidam com materiais perigosos. A identificação e mitigação de riscos são processos contínuos, exigindo a repetição de análises para garantir que os perigos existentes permaneçam sob controle e que novos aprendizados sejam incorporados. No coração dessa estratégia, encontramos o Estudo de Perigos e Operabilidade (HAZOP), uma ferramenta robusta e sistemática que, ao longo dos anos, forneceu insights cruciais sobre os perigos inerentes às operações.

No entanto, a experiência tem mostrado que, para unidades que já passaram por múltiplos ciclos de HAZOP, a descoberta de novos riscos, especialmente os de gravidade média e alta, diminui substancialmente. Essa redução na descoberta de riscos não é um sinal de falha da metodologia, mas sim um indicativo de sua aplicação rigorosa e eficaz nos ciclos iniciais. A questão que se impõe é: como otimizar os recursos e aprofundar a análise de riscos em cenários onde os perigos óbvios já foram endereçados? A resposta reside em mudar o foco para os Acidentes Maiores (MAHs) e na implementação de abordagens complementares, como o Delta HAZOP (DHAZOP).

O Foco em Acidentes Maiores (MAHs) e o Desafio das “Mudanças Sutis”

Acidentes Maiores (MAHs) são eventos com consequências potencialmente catastróficas para as empresas, moldando as práticas e regulamentações da indústria de refino, química e petroquímica. A gestão eficaz desses riscos é fundamental para a sustentabilidade a longo prazo. Empresas como a ExxonMobil reconhecem a necessidade contínua de aprimorar o desempenho em segurança de processo, focando na saúde das salvaguardas críticas para prevenir MAHs.

A análise de incidentes de alto potencial em toda a indústria tem revelado que a falha no funcionamento das salvaguardas de projeto é frequentemente a causa raiz desses eventos. Além disso, os MAHs tendem a ocorrer devido à degradação de várias salvaguardas ao longo de um caminho crítico, frequentemente visualizado em diagramas de “Bow Tie”.

Um desafio particular surge das chamadas “mudanças sutis” ou “creeping changes”. São pequenas alterações que, acumuladas ao longo do tempo, podem degradar as salvaguardas de projeto e levar a incidentes de grande consequência, mesmo que individualmente não pareçam significativas. Um exemplo notável foi a explosão de um tanque que causou uma fatalidade e diversos ferimentos, resultante de várias pequenas alterações na concepção original e operação do tanque. Este tipo de incidente sublinha a importância de identificar e gerenciar adequadamente todas as pequenas mudanças, analisando o risco para o sistema total. A Health and Safety Executive (HSE) do Reino Unido, inclusive, publicou uma técnica de Identificação de Perigos (HazID) específica para “Creeping Change”.

Delta HAZOP (DHAZOP): Uma Abordagem Eficiente para a Revalidação

Diante da diminuição da descoberta de riscos em HAZOPs maduros e da complexidade das mudanças sutis, o Delta HAZOP (DHAZOP) surge como uma metodologia alternativa e mais eficiente para a revalidação de Análises de Perigos de Processo (PHAs). É crucial entender que o DHAZOP não substitui o HAZOP; ele é uma ferramenta complementar, projetada para produzir resultados semelhantes de forma mais otimizada.

O principal objetivo do DHAZOP é revisar as mudanças ocorridas em uma instalação desde o último HAZOP, com o propósito de identificar os perigos resultantes dessas modificações. Isso inclui uma gama de potenciais alterações, como modificações em instalações, procedimentos operacionais, condições de operação, produtos químicos perigosos, corrosão, dispositivos de segurança críticos, normas, regulamentações, e até mesmo aprendizados de incidentes e a resolução de achados de HAZOPs anteriores. Embora muitas dessas mudanças sejam capturadas pelo sistema de Gerenciamento de Mudanças (MOC) da planta, o DHAZOP foca em como elas interagem e no impacto cumulativo.

Pré-requisitos para a aplicação do DHAZOP incluem:

  1. A unidade ter sido submetida a pelo menos dois HAZOPs anteriores.
  2. A revalidação anterior ter sido exaustiva, cobrindo deficiências e com informações de segurança de processo completas.
  3. Praticamente todos os achados dos dois HAZOPs anteriores terem sido resolvidos (ou com planos de remediação).
  4. Todas as modificações desde o último HAZOP terem sido controladas pelo sistema de MOC.

A grande vantagem do DHAZOP é a redução significativa do tempo e recursos necessários para conduzir a análise. Essa eficiência libera equipes para se concentrarem em outras técnicas de identificação de riscos baseadas em cenários, especialmente aquelas focadas em MAHs e no desempenho de salvaguardas críticas.

O Papel Crucial dos Indicadores de Desempenho (KPIs) e Tendências de Dados

Para que o DHAZOP seja eficaz, a preparação envolve não apenas os materiais usuais do HAZOP, mas também a coleta de dados que revelem onde as mudanças ocorreram. A chave está em uma análise aprofundada de dados operacionais e indicadores de desempenho (KPIs), tanto de indicadores de atraso (lagging) quanto de indicadores de avanço (leading).

Entre as informações essenciais para um DHAZOP, destacam-se:

  • Dados históricos de balanço de massa e energia, taxas de alimentação e composição, mostrando mudanças desde o HAZOP anterior.
  • Diagramas de Processo e Instrumentação (P&IDs) e plantas de localização com mudanças destacadas.
  • Documentação de MOC, incluindo revisões de segurança pré-startup e resultados de auditoria de conformidade.
  • Histórico de quase-acidentes e incidentes na unidade e em unidades similares.
  • Falhas de equipamentos, especialmente dispositivos de segurança críticos (SCDs).
  • Dados de demandas em SCDs.
  • Mudanças nos níveis de pessoal e competência.
  • Alterações regulatórias, da indústria ou da empresa que impactem a avaliação de riscos.

A tendência de dados de KPIs é particularmente útil na identificação de “mudanças sutis” que podem não ter sido formalmente capturadas pelo MOC. Ao selecionar KPIs que se relacionam diretamente com as salvaguardas identificadas em diagramas de Bow Tie de MAH, o DHAZOP foca-se diretamente na prevenção e mitigação de eventos de alta consequência.

Um exemplo prático do valor da análise de dados de KPIs é a revalidação em uma unidade petroquímica. A equipe do HAZOP notou um número significativo de relatórios de quase-acidentes relacionados à ativação de alarmes de alta prioridade para nível elevado em torres. Embora uma avaliação de risco anterior tivesse classificado o risco como baixo, o monitoramento contínuo das tendências de ativação do alarme P1, um indicador de segurança crítico, revelou que havia 14 ativações desde a avaliação anterior – um aumento significativo em relação aos anos anteriores.

Essa análise detalhada, que incluiu a investigação das causas das ativações (muitas ligadas a mudanças na operação da unidade e paradas não planejadas devido a problemas de confiabilidade do vapor), e uma visita de campo que revelou o posicionamento do sensor de alarme P1 dentro da faixa do Sistema de Controle Básico de Processo (BPCS), indicando uma possível perda de eficácia da salvaguarda, levou a uma reavaliação. Comparando os dados das tendências com a avaliação de risco existente, concluiu-se que o aumento da frequência de reinícios da planta elevou o risco de “Baixo” para “Médio”. Esse achado resultou na identificação de oito riscos médios em torres similares, ilustrando o poder do DHAZOP em desvendar riscos ocultos pela “mudança sutil”.

Resultados e Valor Agregado do DHAZOP

A implementação do DHAZOP tem demonstrado resultados promissores. Embora o tempo de preparação aumente, o tempo de revisão em si é reduzido pela metade. Isso não apenas otimiza o uso de recursos, mas também direciona o foco para riscos mais significativos. O DHAZOP gera significativamente menos comentários em comparação com um HAZOP completo, mas esses comentários tendem a ser de maior risco, concentrando os esforços de resolução da unidade nos pontos mais críticos.

A descoberta de riscos no DHAZOP provém principalmente de “mudanças sutis”, quase-acidentes recorrentes em áreas similares (especialmente aqueles com maior potencial de consequência), e dados relacionados a demandas em sistemas de segurança. Unidades com um sistema de MOC maduro gerenciam bem as mudanças conhecidas, mas o DHAZOP atua como uma lente de aumento para os “conhecidos desconhecidos” – riscos que existem, mas cuja magnitude ou frequência aumentou devido a fatores subjacentes não formalmente registrados. Essa abordagem está em consonância com a técnica de HazID de “Creeping Change” da HSE, que reconhece que grandes incidentes, como os do ônibus espacial Columbia, incêndio de Kings Cross e explosão de Texas City, frequentemente têm suas raízes em mudanças sutis.

Conclusão

A segurança de processo exige uma evolução contínua das estratégias de identificação e gestão de riscos. Enquanto o HAZOP permanece uma ferramenta fundamental e robusta para a análise de perigos, a revalidação através do Delta HAZOP (DHAZOP) oferece um caminho eficiente e direcionado para unidades maduras. Ao focar na análise de mudanças, no desempenho de salvaguardas críticas e na interpretação inteligente de dados operacionais e KPIs, o DHAZOP permite que engenheiros de diversas especialidades desvendem riscos que poderiam passar despercebidos em abordagens tradicionais.

Não se trata de substituir o HAZOP, mas sim de complementá-lo, impulsionando um foco mais acentuado em Acidentes Maiores (MAHs) e na vigilância contra as insidiosas “mudanças sutis”. Essa abordagem colaborativa entre HAZOP e DHAZOP fortalece a gestão de riscos, assegura a sustentabilidade das operações e, acima de tudo, protege pessoas, comunidades e o meio ambiente. Para engenheiros comprometidos com a excelência em segurança de processo, integrar o DHAZOP em suas práticas de revalidação é um passo estratégico para elevar o patamar de segurança e garantir um futuro mais resiliente.

Referências

KENNY, Paul. HAZOP Revalidation and Focus on Major Accident Hazards. SYMPOSIUM SERIES NO 166 HAZARDS 29, v. 166, p. 1-7, 2019.

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